adágio

sexta-feira

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fotografia © Anke Merzbach




não digas nada. não é preciso. eu alimento-me só de silêncio. porque o silêncio é a casa do grito.
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"Pedem tanto a quem ama: pedem / o amor. Ainda pedem / a solidão e a loucura. / Dizem: dá-nos a tua canção que sai da sombra fria. / E eles querem dizer: tu darás a tua existência / ardida, a pura mortalidade." - Herberto Helder in Ofício Cantante, p. 137, Assírio & Alvim




In the mood for love de Wong Kar Wai



"Sob as águias silenciosas, a imensidão carece de significado." - Antonio Gamoneda in Livro do Frio, p.9, Assírio & Alvim.

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segunda-feira

fotografia © Anke Merzbach


um cicio ardente costura a sílaba de linho que descose o peito. assim te impões aqui, teia e asa, no  fluxo e refluxo da minha respiração. 

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Sentas-te no muro, lá no alto,/nem me vês tropeçar nas pedras desta rua. - Pedro Tamen in Rua de Nenhures, D.Quixote, 2013, p.75




domingo




fotografia © Anke Merzbach

ímpia condição, ser mastro cravado na margem de um rio. transgrido: rogo às aves azuis que me bebam os olhos.

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(...) O calor treme de frio. /O frio treme por ti. E eu tremo /de ansiedade no centro da memória. (...) - Francisco Duarte Azevedo in Livro de Inverno e Transições, Edições Esgotadas, 2013, p.122





quinta-feira




fotografia ©Daria Andresen


Olhares me detiveram, estrelas: não devia notar que tu nunca chegavas. - Rainer Maria Rilke, Poemas, ed. Asa, p.273 
 

No escuro, o som de um pássaro, a raiz silenciosa a tecer-te para que eu volte a habitar o que não existe.



terça-feira





fotografia © Veruschka von Lehndorf

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o azul vigia os distantes navios da memória. no cais das metamorfoses, só o enigma das asas.

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a sombra de uma gaivota /de súbito poisou /nos meus olhos /marejando-os de sal - Bénédicte Houart, Vida: Variações II, Cotovia, p.74






sábado

fotografia ©Karina Marandjian
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oiço-te. a saudade entorna e aninha-se ciosa no seu caudal.
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É tempo de chegar o vento /e de nos aninharmos /dentro de nós, sozinhos, hibernando. – Nuno Dempster in Dispersão, p.147, Edições Sempre em Pé, 2008







domingo

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fotografia © Francesca Woodman


não há nenhuma rua com o nome que me deste. para te respirar, invento-a e sigo, cumprindo-me, perdendo-me.

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[...] deixa-me olhar /o leque de água, o fogo frio, a lama; /um só instante. agora /deixa-me cego e só traçar o risco /onde a luz se desfaz e se repete. - António Franco Alexandre, Poemas, Assírio&Alvim, 1996, p.281




terça-feira

fotografia oferecida por ©Pedro G. Taborda


basta um murmúrio teu, e desprendo-me do corpo para atravessar o vidro que nos separa. liberta-me: dissolve este sal no silêncio doce da chuva.


De um corpo falei: /que rompam as águas.
Eugénio de Andrade, “Mar de Setembro”, in “Poesia”, ed. Modo de ler, 2011, p.134



sábado

fotografia oferecida por ©José Rodrigues
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aprendi a imobilidade das águas, a doçura que há no sal, o fogo que ateia a sombra. e é por saber tudo isto que te demoras em mim.
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 Acredito que chegas à ausência desta praia / para despertar o mar. - Amadeu Baptista, Antecedentes Criminais, p.58, Quasi, 2007
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fotografia © Anke Merzbach



o enigma é o fundamento do peito. uma concha onde guardo o teu nome que não sei. uma pálpebra a esperar-te sem remédio no deserto de areia.
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“Nos braços submersos ainda se vê o esforço do voo / e pelo rosto as amargas cicatrizes de uma liberdade impossível” – Fernando de Guimarães, Poesias Completas, p.70, INCM, 1985
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sexta-feira


Fotografia © Manuel Gonzalez



hoje oiço um bater de asas. será a vigília da saudade ou uma ilusão, porque sei que não voltas. seja o que for, parto com as aves.


Entre as minhas coisas inúteis tenho um espelho, a que nem uso dou, as aves afeiçoaram-se à cor do olhar e não fogem de mim, sou a única que sabe fugir - que o mesmo é dizer a que suporta a mordedura do lacrau e a dor de estar viva - Amadeu Baptista, Estrela de Bizâncio, p.28, livro do dia, 2011




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domingo

fotografia © Normann Thielen
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segues, só e errante, julgando-te encoberto, talvez; eu, doada à sabedoria das esperas, sigo-te sem te perder de vista.
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Às vezes, a ausência é uma oração, uma palavra / vertida no sangue para que a escuridão se desvaneça / e da ausência irradie um feixe de relâmpagos / onde é ainda possível a salvação, / onde é ainda possível um brilho na obscuridade - Amadeu Baptista, Antecedentes Criminais, p.146, Quasi
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(vídeo oferecido por Pedro G. Taborda)
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terça-feira

fotografia © Adriana Casellato




tinjo-me duma memória azul. intenso azul da saudade e da nossa ilha do sul. sim, houve nós um dia em que o sonho nos laçou.

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Contarei de ti /O único segredo /A forma como te fazes pedra /E rio /No fundo do meu leito - Ana Paula Tavares, Como veias finas na terra, p.32, Caminho 2010
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quinta-feira

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fotografia © Anke Merzbach
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a espera é uma teia ardente. contra a cinza, vou bordando o tempo até ao teu improvável regresso..
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“Deixem o coração dormir. Os olhos /distraem-se do seu bater e vivem /na parte exterior do mundo, /mergulhados nos choupos como pássaros.” Nuno Dempster in Dispersão, p.110, Edições Sempre em Pé, 2008
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quarta-feira

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Fotografia de © Rosalie Denik



pudesse eu, escolhia a saudade que me consumisse; tudo é melhor do que saber que nunca exististe.



"Encostei-me a ti, /sabendo que eras somente onda. /Sabendo bem que eras nuvem /depus a minha vida em ti./ Como sabia bem tudo isso,/e dei-me ao teu destino frágil, /fiquei sem poder chorar, /quando caí." - Cecília Meireles




terça-feira

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(Cinema Paraíso)
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estou aqui, onde sei que sempre vens para respirarmos juntos. não tenho outro lugar; a minha casa és tu.
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«É como se a noite se molhasse /repentinamente, quando choras. /É como se o dia se demorasse, /quando te espero e tu te demoras.». - Albano Martins in Assim são as Algas, p.30, Campo das Letras



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fotografia picada da net

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sei que a lua te alaga e que tens de ir. e sei esta ânsia sôfrega de me delir nos bosques com a falta que me fazes.

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Sinto o pavor da beleza; quem se atreverá a condenar-me se esta grande lua de solidão me perdoa? - Jorge Luís Borges , Obras Completas I, p.67, Teorema
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segunda-feira

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fotografia © Luís Ventura
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o que parte não o diz. parte e pronto. o que fala é o que fica, porque é dele a noite na sua imensa linguagem do silêncio.

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sexta-feira

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fotografia ©Liu Yuanshou
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rasgão a rasgão, não deixo de me espantar com o que temos debaixo da pele. depois, coser o rasgão até ao próximo espanto.
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sábado

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fotografia © lonewolf1966

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deste-me o mapa do improvável, e eu dei as minhas mãos ao silêncio. hoje, se me dissesses estou aqui, eu morreria.
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«talvez procure ainda um gesto teu nos braços /do silêncio, como um pombo cego a debicar /as sombras na única praça deserta da cidade» - Maria do Rosário Pedreira in O Canto do Vento Nos Cipretestes, p.53, Gótica
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fotografia minha

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«em qualquer lado me desligas o fio e assombras a memória. se não existisses morria de sede. morria de medo.». - Maria Quintans in Apoplexia da Ideia, p.21, Papiro editora
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procuro a salvação da lâmina, aquela que me faz sentir no corpo as tuas mãos que nunca tive.
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um dia, cessará o murmúrio, a teia, a procura de ti, o encontro da ânsia de não te achar. quando eu me acabar. um dia.

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«Vejo-me respirar, dar as minhas mãos e força às plantas e à terra, e, no fim, não me distingo do dia que passa.» - Maria Gabriela Llansol in Uma Data Em Cada Mão, p.103, Assírio&Alvim, 2009



quarta-feira

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fotografia © Anke Merzbach


viver do abraço revogado, beber do beijo que não tive e ficar para te mostrar como a minha ideia sente.
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«Se me pedisses de repente e aqui: / "fala das luas e dos dias", eu / nem falaria, diria só que estar contigo / é estar-me» - Ana Luísa Amaral in Inversos, p.613, Dom Quixote.
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quinta-feira

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fotografia © Anke Merzbach


corre o rio, silencioso e nítido, por uma realidade que não há, leito onde me deito para te encontrar.
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"Um mapa para regressar ao vento, à cicatriz /da luz, desenho que decifra o vazio, o segredo /das pedras e das mãos." - Jorge Velhote in Máquina de Relâmpagos, p.20, Edições Afrontamento



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fotografia © Joanna Nowakowska
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onde estás, que não te encontro no vento. ao relento, anoiteço.
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«Vou pelos venenos donde ninguém volta, como um pássaro, /como a chuva que se instala silenciosa nos vidros» - Jorge Velhote in Máquina de Relâmpagos, p.13, Edições Afrontamento

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domingo

fotografia oferecida por A.



os campos explodem de amarelo. o perfume das giestas intenta novas narrativas. mas és sempre tu que me escreves o azul.
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«Mas porque assim te invento /e já te troco as horas / vou passando dos teus braços que não sei /para o vácuo em que me deixas /se demoras / nesta mansa certeza que não vens» - Maria Teresa Horta in Poesia Reunida, p. 377, Dom Quixote
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sábado

fotografia © Tim Flach
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no negrume dos dias onde se evolam os gestos, restas-me tu, ponto luminoso, que ainda me guias: água desesperada, justifico-me nos caminhos do mapa que me dás.
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"Porém eu procuro-te. Antes que a morte se aproxime, procuro-te. Nas ruas, nos barcos, na cama, com amor, com ódio, ao sol, à chuva, de noite, de dia, triste, alegre - procuro-te. " - Eugénio de Andrade
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terça-feira

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fotografia © Anke Merzbach
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levo-te sempre comigo, dizias-me. eu sei: partiste e nunca mais me achei.
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"Devias estar aqui rente aos meus lábios / para dividir contigo esta amargura / dos meus dias partidos um a um" - Eugénio de Andrade



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segunda-feira

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Fotografia de © Rosalie Denik
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em cada lágrima, as nervuras dum mar ausente. como o orvalho que guarda na transparência a memória das rosas
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“uma outra rosa, aquela que habitava /nas sementes de tudo o que te dava.” – Fernando Guimarães in Algumas das Palavras, p.32, Quasi
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domingo


“Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.” Fernando Pessoa
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às vezes vou com o vento; e só por o vento me levar valerá a pena ter vivido

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sangue silvestre. ar semeado. eu.
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(oferecido por A, resgatado a J.)
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fotografia ©Daria Endresen



só é nosso o tempo das cicatrizes, não o é o coração. somos assim: trilhos de água, degredo, doação.




"Lenta, como um rio imenso, inadiável/ corro por mim, cascata e precipício/ enquanto aqui./ Ali, teu corpo e mar à espera e /contigo /as tuas mãos inteiras." - Luisa Freire in O Tempo de Perfil, p.98, Assírio&Alvim, 2009

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terça-feira

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fotografia © Karina Marandjian
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a dor é um fragor que sangra e pede abrigo na concha da palavra. e o amor. e o silêncio.

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“Alguém me disse que certas aves choram / quando lhes falta o mar / por muito tempo” – Casimiro de Brito in Arte de bem Morrer, p.127, Roma Editora




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fotografia © Anke Merzbach

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"partir de uma memória equivale a partir do fim" - Rui Herbon